sábado, 16 de outubro de 2010

Leia aqui mesmo

Decidi postar aqui no blog o texto ao qual me referi na postagem anterior.

DOIS PESOS…

por Maria Rita Kehl, no Estadão

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

Sobre hipocrisia e coisas ainda piores...

Eu não pretendia falar de política este ano (a despeito de quão importante o assunto é), pois gozava de uma relativa tranquilidade dando como certa a eleição da Dilma. Buenas, quem tem visto as campanhas sabe que o nível do debate tá lá embaixo. A hipocrisia é uma coisa que muito raramente deixa de acompanhar os discursos políticos. Tanto os de direita quanto os de esquerda. É um jogo, todo mundo sabe disso. A diferença está nas razões e na frequência com que cada lado recorre a ela. E quando a hipocrisia se soma ao mau-caratismo temos um caso como este que está tendo muito, mas muito mais repercussão do que mereceria num país onde o jogo fosse mais limpo e as pessoas não vivessem à sombra de uma suspeitabilíssima moral católica. Enfim, o povo também faz uso da hipocrisia.

Sim, estou me referindo à questão do aborto. Dia destes (ainda no primeiro turno, antes que esta celeuma tivesse sido criada) eu passava na esquina democrática e presenciei o protesto de um grupo de mulheres em prol da legalização do aborto. Segundo elas, “de cada dez mulheres que passavam naquela esquina, duas já tinham feito aborto”. Caramba, a proporção me assustou, jamais imaginei que era algo tão freqüente assim. Elas defendiam que era necessário acabar com a política anti-aborto que prejudica milhares de mulheres no país. Segundo elas, as classes rica e média recorrem à prática sem grandes problemas por que têm dinheiro pra isso. Já as mulheres pobres sofrem mais – e muitas acabam morrendo – por que aborto, pra elas que não têm dinheiro, é feito mais ou menos com métodos medievais. Enfim, nada que a maior parte das pessoas já não saiba. Aborto é - ainda segundo as moças e a cima de qualquer outra - uma questão de saúde pública.

Eu sou contra o aborto. Não vou explicitar minhas razões por que isso é coisa pra um debate filosófico, científico, humanista e espiritual que eu não quero (desconfio que nem mesmo tenho condições de) travar. Eu sou contra. A Dilma é a favor. É realmente uma pena que em meio à hipocrisia reinante ela não possa dizer isso abertamente. Se o mundo fosse perfeito, se todas as outras coisas estivessem no lugar, talvez eu deixasse de votar nela por conta desta divergência de opiniões. Mas o mundo é o que é, e exatamente por que um monte de gente ta fazendo um buraco no próprio barco, fica fácil perceber quem realmente ta tentando (e conseguindo) levar a embarcação adiante. Sempre votei no PT (desde 89) e hoje, mais do que nunca, não vejo razão alguma para mudar o meu voto. A Dilma é infinitamente melhor que o Serra pra governar o país, ela é a representante legítima de um projeto de governo que está revolucionando a vida de muita gente, principalmente (e viva o Lula por isso) a dos pobres do Brasil.

Para reforçar o que estou dizendo (exatamente este ponto sobre os pobres), gostaria de recomendar veementemente este artigo da psicanalista Maria Rita Kehl. Por favor, leiam. Trata-se de um texto que teve uma repercussão enorme na internet e que levou o jornal O Estado de S. Paulo a demitir a autora - aqui, explicitamente, mais uma ação da imprensa desqualificada, bandida e elitista do Brasil na sua oposição sistemática ao governo Lula. É bobagem, eu sei, pinçar um ou dois fatos num universo rico em demonstrações de mau caratismo como esse. A internet tem centenas (milhares?) deles. O jornalismo e o tele-jornalismo diário também, embora menos descarado. Recomendo este texto da Maria Rita Kehl por ser simples, claro, objetivo e por analisar a coisa por um ângulo que eu, se fosse um analista político, teria escolhido. É só um flanco, dentre muitos que precisam ser protegidos, mas merece destaque pela nobreza, pelo tapa que deu na cara da mediocridade privilegiada brasileira.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Yes, nós temos vacas!

Porto Alegre foi invadida por vacas. É a Cow Parade, um negócio que fez com que todo mundo sacasse sua máquina fotográfica ou seu celular pra registrar uma que outra desgarrada deste rebanho esquisito. É fato, você não passa por uma delas sem ver ao redor pessoas munidas de câmeras e celulares. Acho que estes bichos já são, de longe, a coisa mais fotografada em Porto Alegre este ano. Do lugar onde moro até o meu trabalho, passo por 7 delas, até onde pude perceber. São 81 ruminantes ao todo e estão espalhadas por toda a cidade, de norte a sul. Uma já foi roubada e recuperada, outra sofreu uma tentativa de incêndio e outra ainda foi "vítima" de pichação. Até o fim do evento é certo que mais acidentes acontecerão. Enfim, existe gente que ataca vacas por abigeato (para comer) e outros por que são bárbaros, vândalos incapazes de enxergar a beleza ou, na pior das hipóteses, o lúdico de uma exposição assim. Eu tinha a intenção de fotografar todas as que visse pela frente, mas desisti da ideia. Sempre tem gente fotografando, fazendo poses ao lado das "mimosas". Fica difícil (e meio constrangedor, pra falar a verdade), achar um momento para um clic das chifrudas. Abri uma exceção pra estas duas: a Iron Cow, que está instalada praticamente na quadra onde moro, e a Lorem Ipsum, que encontrei no domingo quando resolvi caminhar de casa até o aeroporto Salgado Filho (pra fotografar aviões, vejam só). A branquinha está placidamente instalada em frente à estátua do Laçador. Esta não tem perigo de fugir (re, re, re). Parece que ao final da "Parade" vão reunir todas num mesmo local. Pretendo ir até lá e dar uma olhada. Apesar do nome ridículo com que batizaram algumas (Vacaduto da Borges, Cowsmonauta, Cowversa comigo?, etc) e das empresas que outras representam (Coca-cola, Zero Hora, DCS, etc), acho que é uma coisa legal de se ver.
Aqui um linkzinho com o "mapa das vacas".