Eu não pretendia falar de política este ano (a despeito de quão importante o assunto é), pois gozava de uma relativa tranquilidade dando como certa a eleição da Dilma. Buenas, quem tem visto as campanhas sabe que o nível do debate tá lá embaixo. A hipocrisia é uma coisa que muito raramente deixa de acompanhar os discursos políticos. Tanto os de direita quanto os de esquerda. É um jogo, todo mundo sabe disso. A diferença está nas razões e na frequência com que cada lado recorre a ela. E quando a hipocrisia se soma ao mau-caratismo temos um caso como este que está tendo muito, mas muito mais repercussão do que mereceria num país onde o jogo fosse mais limpo e as pessoas não vivessem à sombra de uma suspeitabilíssima moral católica. Enfim, o povo também faz uso da hipocrisia.
Sim, estou me referindo à questão do aborto. Dia destes (ainda no primeiro turno, antes que esta celeuma tivesse sido criada) eu passava na esquina democrática e presenciei o protesto de um grupo de mulheres em prol da legalização do aborto. Segundo elas, “de cada dez mulheres que passavam naquela esquina, duas já tinham feito aborto”. Caramba, a proporção me assustou, jamais imaginei que era algo tão freqüente assim. Elas defendiam que era necessário acabar com a política anti-aborto que prejudica milhares de mulheres no país. Segundo elas, as classes rica e média recorrem à prática sem grandes problemas por que têm dinheiro pra isso. Já as mulheres pobres sofrem mais – e muitas acabam morrendo – por que aborto, pra elas que não têm dinheiro, é feito mais ou menos com métodos medievais. Enfim, nada que a maior parte das pessoas já não saiba. Aborto é - ainda segundo as moças e a cima de qualquer outra - uma questão de saúde pública.
Eu sou contra o aborto. Não vou explicitar minhas razões por que isso é coisa pra um debate filosófico, científico, humanista e espiritual que eu não quero (desconfio que nem mesmo tenho condições de) travar. Eu sou contra. A Dilma é a favor. É realmente uma pena que em meio à hipocrisia reinante ela não possa dizer isso abertamente. Se o mundo fosse perfeito, se todas as outras coisas estivessem no lugar, talvez eu deixasse de votar nela por conta desta divergência de opiniões. Mas o mundo é o que é, e exatamente por que um monte de gente ta fazendo um buraco no próprio barco, fica fácil perceber quem realmente ta tentando (e conseguindo) levar a embarcação adiante. Sempre votei no PT (desde 89) e hoje, mais do que nunca, não vejo razão alguma para mudar o meu voto. A Dilma é infinitamente melhor que o Serra pra governar o país, ela é a representante legítima de um projeto de governo que está revolucionando a vida de muita gente, principalmente (e viva o Lula por isso) a dos pobres do Brasil.
Para reforçar o que estou dizendo (exatamente este ponto sobre os pobres), gostaria de recomendar veementemente este artigo da psicanalista Maria Rita Kehl. Por favor, leiam. Trata-se de um texto que teve uma repercussão enorme na internet e que levou o jornal O Estado de S. Paulo a demitir a autora - aqui, explicitamente, mais uma ação da imprensa desqualificada, bandida e elitista do Brasil na sua oposição sistemática ao governo Lula. É bobagem, eu sei, pinçar um ou dois fatos num universo rico em demonstrações de mau caratismo como esse. A internet tem centenas (milhares?) deles. O jornalismo e o tele-jornalismo diário também, embora menos descarado. Recomendo este texto da Maria Rita Kehl por ser simples, claro, objetivo e por analisar a coisa por um ângulo que eu, se fosse um analista político, teria escolhido. É só um flanco, dentre muitos que precisam ser protegidos, mas merece destaque pela nobreza, pelo tapa que deu na cara da mediocridade privilegiada brasileira.
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