Pedi demissão. E como este blog é uma
viadagem tipo "meu querido diário", resolvi publicar a carta (dá-lhe
egocentrismo!). Como se verá abaixo, sou um baita "sabonete".
Mentira, sou sempre sincero.
Caras amigas Z. e T., antes de mais nada
quero dizer que não foi fácil escrever este email. Demitir alguém não deve ser
tarefa agradável, mas pedir demissão também não é. Não quando se tem uma
relação de amizade com as chefes (nem mesmo o fato de ser uma reincidência
minha tornou a coisa menos delicada). Outra dificuldade é escolher as palavras,
tentar deixar claros os motivos e evitar mal-entendidos.
Esse intróito é porque vou fazer um
desabafo (talvez nada que vocês já não saibam) e esse desabafo é panfletário
(eu pretendia filosófico, na verdade). O importante pra mim é que não seja
levado para o lado pessoal.
Sou um descontente, vocês sabem. E não
poderia ser diferente, pois entre as minhas - talvez poucas - qualidades está a
lucidez. Acho que a minha vida está longe do que considero minimamente bom,
minimamente digno. É bem frustrante me ver “quarentão” e praticamente ainda na
mesma situação em que comecei, há 25 anos. Na verdade, a frustração é para
comigo mesmo, por não ter mais competência pra inverter esse jogo. Mas tem aí
também uma dose bem grande de revolta. Porque não sou um medíocre e (ao
contrário do que talvez muita gente pense) tampouco sou acomodado. Já tentei
dar guinadas na minha vida. Várias vezes. Mas a engrenagem é sempre maior do que
a minha capacidade (escrevo isso sem vergonha, pois não sou o único, tá cheio
de gente talentosa e competente por aí que não consegue transpor esse nível de
dificuldades – as exceções se contam nos dedos de uma mão). Enfim, a revolta é
com a injustiça do mundo. É injusto que eu tenha que escolher entre pagar
metade do meu salário num aluguel ou morar no fundo de uma vila, com meus pais,
e sofrer as agruras do transporte público coletivo. É injusto que eu tenha que
usar o meu horário de almoço pra garimpar livros em sebos para depois vendê-los
na internet e assim aumentar um pouco (bem pouco) a minha renda. É injusto que
eu tire férias para trabalhar numa feira de livros (em pleno inverno) e depois
tenha que voltar correndo pro trabalho oficial. É injusto que só agora, aos 40
anos, eu tenha conseguido dinheiro suficiente para um tratamento dentário que
deveria ter realizado na adolescência (e isso porque o R. me fez descontos
generosos). Enfim, eu poderia ir longe com este rol de coisas que considero
injustas.
Vejam bem, estou apenas externando
minhas angústias, não estou culpando ninguém.
Quando vocês me chamaram um dia e
disseram que tinham pensado em me demitir por que eu “estava custando mais do
que dava retorno”, meu pensamento imediato foi: “sacanas... olha só como me
tratam!”. Depois pensei: “putz... então não estou dando retorno algum, pois meu
salário é tão pouco”. Somente depois é que fui considerar a posição de vocês.
Mas isso é sempre difícil para um funcionário. Não faço ideia (e nunca fiz
questão de saber) do quanto fatura uma empresa como a V. e de como é feita a
divisão do bolo. Não penso nisso, simplesmente faço o meu trabalho. Acho
(sempre achei) que um contrato firmado é uma aceitação de termos e um
comprometimento. Se o sujeito não está contente, então que pule fora. Se não
pode pular fora, então que se resigne e faça o que se propôs a fazer. Penso que
sempre agi assim. Sei que tive algumas crises de apatia em certos momentos, mas
isso nunca turvou a consciência de que eu era pago pra fazer um trabalho.
Só que na maior parte do tempo era isso:
resignação mais do que satisfação (como é para 99,9% da humanidade,
provavelmente). Não vejo como poderia haver satisfação em passar a maior parte
do meu dia em frente a um computador, fazendo coisas muitas vezes chatas e
ganhando por isso apenas o suficiente para necessidades básicas e para estar
ali, ativo de novo, no dia seguinte. Nenhuma possibilidade de crescimento
financeiro, nenhuma chance de adquirir algo sólido, duradouro, pra modificar e
melhorar a vida. É assim na V., foi assim em todas as empresas por onde passei.
É a vida de todo mundo que eu me recuso a aceitar.
Não estou dizendo que existe aí uma
má-intenção. Reconheço as iniciativas da “V” para ser uma empresa mais humana.
Como eu já falei, isto não é pessoal. Tenho um carinho muito grande por vocês e
seria um ingrato se não admitisse que tivemos alguns momentos agradabilíssimos
juntos. Z. e T., enquanto amigas, são inestimáveis. Enquanto chefes, talvez não
possam ser diferentes do que são. Acredito sinceramente nessa impossibilidade e
por isso estou escrevendo este email. Mas sou um cara de 40 anos que lê, que
pensa... Acho absurda esta vida de escravidão moderna. Continuar resignado com
isso está além das MINHAS capacidades. Eu quero, preciso de algo mais.
Já faz muito tempo que entendi que
trabalhar para os outros não leva a nada, que o lance é ser o próprio chefe. Só
que isso é bem difícil. Já tentei em outros tempos e, por uma série de fatores,
não deu certo. Mas sou um revoltado, só o que posso fazer é continuar tentando.
Trabalho dois ou três anos em algum lugar, junto um dinheirinho e vou de novo.
Nova empreitada, nova tentativa, velho anseio. Vou aprendendo, mas parece que a
cada vez se torna mais difícil.
Bom, este email é pra dizer que vou
tentar de novo. Vou morar na praia. Além de estar assumindo minha natural
inclinação para a reclusão, pretendo minimizar custos. Aluguel, principalmente.
E como vou precisar de todo o dinheiro de que puder dispor, quero pedir que
vocês, por favor, me demitam. O famoso “acordo”. Não sei se ainda é como
antigamente (meu último trabalho de carteira assinada foi na Vz), espero que
sim. O Fundo de Garantia e o Seguro Desemprego vão me dar algum fôlego. Além
deles, pretendo levantar uns pilas na Feira do Livro de Canoas deste ano. E é
por isso que estou fazendo este pedido agora. Posso cumprir meu aviso prévio em
maio e, imediatamente após, trabalhar na Feira, que começa em 1º de junho.
Sei o que vocês pensam sobre aviso
prévio. Da minha parte só posso garantir que a minha relação com o trabalho
continua a mesma, assim como a minha relação com vocês. Sou um funcionário da
V., mas antes um amigo da casa. Estou saindo pra tentar melhorar minha vida.
Enquanto não saio, continuo fazendo as coisas com seriedade.
Acho que era isso. Desculpe tomar tanto
do tempo de vocês. Me estendi assim por achar que devia ser honesto (a maneira
abrupta como saí da V. na outra vez – embora não pudesse ter sido diferente –
me deixou um pouco chateado à época). Além disso, considero este email uma
carta para amigas.
Telmo.
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