quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um pouco de quadrinhos

Desenhei este novo cabeçalho pro blog a partir de uma inspiração que me veio depois de ter assistido a um filme sensacional: Watchmen. O Watchmen de Alan Moore, que eu desconhecia... vejam só.
Venho melhorando com o passar dos anos, mas ainda sofro os prejuízos de uma personalidade um tanto egocentrada e de suas consequentes idiossincrasias. Explico: sou, como a maioria dos desenhistas, um cara que teve uma forte formação em quadrinhos. O fato de hoje eu ter metade da produção do Philip Roth e quase toda a do Dalton Trevisan na minha estante não apaga as marcas deixadas pelos anos de deleite (o mais puro deleite) que os gibis me proporcionaram. Mas nunca fui muito arguto - talvez profundo seja a palavra mais adequada. Consumi indiscriminadamente toneladas de comics da Marvel e da DC, as duas maiores forças neste mercado. Pra leigos vai uma rápida explicação: a Marvel compreende personagens como Homem-aranha, incrível Hulk, Homem de Ferro, Demolidor, X-men e Quarteto Fantástico (todos esses criados pelo senhor Stan Lee, por isso você sempre vê o distinto fazendo uma pontinha em algum filme dessa enxurrada recente de películas com super-heróis). A DC é detentora dos direitos sobre o Super-homem, Batman, Mulher-maravilha, Flash, Lanterna-verde e etc.
Buenas, demorou muito tempo para que eu percebesse o quanto eram fracas aquelas histórias todas metidas no que se convencionou chamar "formatinho". Já se publicava nesta época caras como Moebius, Guido Crepax, Will Eisner, Crumb, Milo Manara e outros, mas é claro que o Telminho os ignorava completamente. Pra eu acordar, foi preciso que acontecesse uma revolução lá mesmo, no pequeno universo do qual não queria sair nem a tapa. Em 1985 (acho) o Frank Miller publicou "Batman - O Cavaleiro das Trevas". Aquilo foi acachapante, foi uma bomba que transformou o mundo. No Brasil, principalmente, deu início à cultura das Graphic Novels, revistas em quadrinhos com desenhos e roteiros melhor elaborados (geralmente). Foi só a partir deste evento que comecei a olhar meus gibis com um certo constrangimento. O Miller redefiniu e ampliou as possibilidades dos famigerados heróis de quadrinhos. Mas ampliou MESMO. Saiu daquela lenga-lenga juvenil que caracterizava 99% dos roteiros e conferiu ao personagem uma dramaticidade e humanização à altura dos mais bem construídos protagonistas dos bons romances - pelo menos dos romances policiais, um universo caro ao bom e velho homem morcego -, inovou a forma narrativa, explorou novos ângulos e enquadramentos, mexeu na linearidade das histórias, enfim, fez o diabo. Depois disso não parou mais. Escreveu logo em seguida - e entregou ao lápis competentíssimo de David Mazzuchelli - Batman ano 1. Tenho dúvidas até hoje sobre qual é a melhor série: Cavaleiro das Trevas ou Ano 1? Ambas são pra lá de emocionantes. Na sequência escreveu coisas muito boas como Elektra Assassina (desenhos de Bill Sienkiewicz), Wolverine, Sin City e Hard Boiled (com desenhos mega hiper detalhados de Geof Darrow). Fez também coisas das quais não gostei muito, tipo O Cavaleiro das Trevas II (onde forçou um pouco a barra com a sua proposta de arte minimalista), Ronin e 300 de Esparta (desenho às vezes massa, às vezes tosco - porém não estou falando só do desenho), mas a importância do Miller para a qualificação deste tipo de publicação nunca jamais poderá ser questionada.
Nesta mesma época (eu acho) despontaram outros caras. Os mais conhecidos certamente são Neil Gaiman e Alan Moore. O Gaiman com o seu Sandman e todo aquele universo poético, gótico, onírico e cheio de referências literárias, e o Alan Moore um crítico da política e da sociedade seguindo a melhor tradição inglesa nesta linha (1984 e A Revolução dos Bichos, de Orwell; Admirável Mundo Novo, de Huxley; e as músicas e clips da fase Roger Waters do Pink Floyd), também repleto de referências da literatura, da música e da filosofia. Ilações minhas... verdadeiros fãs do Moore poderiam dizer que o cara é muito mais do que isso. Buenas, neste desconhecimento de feras como Gaiman e Moore é que transparece toda a pouca profundidade de que me acusei lá no início do texto. Já tinha lido coisas tanto de um quanto do outro, mas nunca virei fanzão dos caras - na verdade até confundia os dois. Meu tipo de quadrinho adulto continuou sendo os que o Frank Miller fazia. Violência estilizada, luz e sombras, ação vertiginosa, enquadramentos cinematográficos e linguagem coloquial descambando pra gíria barra pesada. Citações, referências literárias?!!! Que nada! Frank Miller vai sempre a seco. O foda é que o cara consegue fazer coisas sensacionais com este saco de recursos aparentemente escassos.
Comprei agora, depois de ter visto o filme, a minissérie Watchmen. Nela o Alan Moore diz: o Frank Miller tenta criar um herói, eu tento destruí-los. Buenas, não conheço muitos trabalhos do Alan Moore (além de Watchmen, li apenas V de Vingança), mas não me parece que ele tente propriamente "destruir" heróis. Acho que é exatamente o contrário: ele tenta, com grande talento, construir heróis verossimilhantes. Nesta tentativa, paga um tributo a este universo - o dos fantasiados paladinos da justiça - que escolheu como fundo para suas ideias. Deve ser tremendamente incômodo para o Moore transitar num mundo onde os personagens "usam a cueca por cima da calça". Tentar driblar o lúdico e até mesmo o ridículo disso é um dos fatores que imprime um diferencial tão grande às suas obras. Ele poderia ser um escritor ou um cineasta e, nestes meios, explorar mais livremente suas ideias, mas - vai saber o porquê - escolheu a nona arte como forma de se expressar. A culminância deste encontro entre um cara inteligente e com certas pretensões e um universo de seres com roupas extravagantes só poderia ser algo do calibre de Watchmen. Vejam bem, quando digo isso, me pauto por Watchmen e V de Vingança, só o que conheço do Moore. Talvez esteja equivocado, talvez o cara não tenha melindre nenhum em assumir um Sr. Peitorais de Cueca Vermelha, mas o fato é que a série Watchmen é considerada a obra-prima do artista e uma espécie de "Cidadão Kane" dos quadrinhos, portanto acho que posso depreender que é, afinal de contas, uma visão última do que o Mr. Moore pensa da vida. Da vida nos comics, pelo menos.
Encerrando o mea culpa, só quero dizer que lamento ter esperado tanto para ler Watchmen. É realmente uma obra-prima. O Alan Moore fez questão de não participar da produção do filme, pois já andava de cara com o cinema por conta de outras empreitadas (entre elas V de Vingança, imagino - um filme que, apesar de ter a linda maravilhosa fantástica Nathalie Portman, foi bem ruinzinho). Mas Watchmen é um filme muito bom. O diretor teve que cortar muitas coisas da história original e adaptar algumas outras, mas quem leu as revistas sabe que não teria como ser diferente: Alan Moore explorou diversos recursos narrativos que são impossíveis de reproduzir em linguagem cinematográfica. Perto do desfecho do filme uma mudança bastante importante - a despeito da indignação que possa estar sentindo mestre Moore - deu uma enriquecida na trama. Mas o gibi tá lá. Do início ao fim é uma transposição pra fã nenhum colocar defeitos. Você perde certas referências que só funcionam impressas no papel, mas ganha as emoções que só a telona pode fazer aflorar.
Vou ver de novo.

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