segunda-feira, 11 de março de 2013

Amores perros


Dia desses apareceu um amigo da antiga aqui na praia. Os pais dele moram no bairro ao lado, então o cara veio vê-los e deu uma esticada até a minha humilde residência (foda-se Michel Teló, não vou deixar de usar essa expressão por tua causa, seu sertanejo/pagodeiro sei lá o que dos infernos!!!). Daqui fomos pro centro tomar umas cervejas e de lá pra casa dos velhos dele, onde uma mesa de bilhar impecável iria testemunhar as tacadas mais infelizes que um sujeito pode dar (eu). Depois de perder várias partidas pro meu amigo e pro pai dele, voltei pra casa. A mãe desse meu amigo tem cinco cachorros no pátio e dá comida pra mais uns cinco da rua. Pude ver que havia, inclusive, casinhas na calçada pra esses cachorros de ninguém.
Não é incomum isso. Aqui na praia já vi outros casos. É cachorro demais. Abandonados demais. Tem gente que compra um cachorro apenas para o veraneio. Termina a praia, voltam pra cidade, mas o bicho fica. Dá pra acreditar numa coisa dessas? Outros abandonam por aqui cachorros que já são da família há tempos. Assim... simplesmente vão e deixam o bicho pra trás, largado à própria sorte.
Algumas almas condoídas se apiedam dos guaipecas e passam a alimentá-los. A mãe do meu amigo disse que gasta em torno de 200 reais por mês com os cuscos. Brinquei com ela dizendo que, atualmente, não ando gastando 200 por mês nem comigo mesmo, imagina com cachorros!!!. Não sou fissurado em animais (já escrevi um texto sobre essa doença que acometeu as pessoas na cidade), todavia sou decente: tenho muita pena desses bichos. A comida que dou pra eles é resto de carnes que consigo de graça num açougue aqui das redondezas (às vezes não tem, então acabo indo a outros açougues, onde tenho que pagar por esses restos). Depois ainda gasto com o gás e (minha mãe que não leia isso) com os tabletes de caldo de galinha que sobraram por aqui (não sei usar esses trecos). Na maleza que tô, com a grana contadinha até pro meu rango, fica difícil dispender mais do que isso.
Fico pensando no que será destes cachorros se um dia eu for embora (coisa bem provável, considerando meu histórico). Quem vai alimentá-los? A verdade é que me apeguei aos pulguentos. Não os trago para dentro, não vou lá enchê-los de mimo e não dou mais do que o estritamente necessário para que não morram de fome, mas gosto deles. Com o passar do tempo, vi que cada um tem um jeito, um comportamento. Queria que tivessem a sorte de ser adotados. Todos eles:

- o Benji (os nomes, na falta de outros, foram dados por mim) é o meu preferido. É um cachorro mais pra pequeno, branco. Tem um pelo ralo e meio comprido. Dá pra ver a pele por baixo. Ele é todo malhado, parece um dálmata, mas os pelos são apenas brancos. Na cabeça esse pelo um tanto comprido dá uma aparência simpática pro guaipeca. Eles caem um pouco nos olhos e parecem uma pequena barba. Está sempre “esgualepado” (palavra que acho perfeita pra ele), com carrapichos e pedaços de grama grudadas no corpo. As orelhas sempre machucadas. Esta semana, como tinha um sangramento e as moscas tavam infernizando o coitado, passei um álcool pra aliviar. Assim como os outros, é normal o Benji aparecer mancando de alguma perna. Isso acontece porque eles avançam nas motos que passam na rua e, às vezes, acabam sendo pegos por elas. Outras vezes é por causa de espinhos e/ou rosetas. Quando percebo, vou lá e tiro. Ah, também pode ser por causa de brigas com outros cachorros. O Benji, aliás, é cheio de marcas pelo corpo. A bicharada se pega pra valer por aqui. Observo esse comportamento. É interessantíssimo. A hierarquia, o estilo de cada um. O Benji respeita o Ruivão – o macho dominante - mas é o único da turma que se bota no Capeto, um cachorro lindo (lindo mesmo, queria pra mim) que corre Cidreira inteira atrás das motos dos caras da empresa de segurança, seus donos. Ele (o Capeto – nome que tb inventei) vai onde quer e peita qualquer um. Quando passa aqui na rua, a cachorrada fica alvorotada: latem, correm atrás, uivam e tem um que até chora. O único que se engalfinha com ele de vez em quando é o Benji, que é bem menor. Injustiça com o Capeto, que parece apenas querer ser amigo de todos eles.
- a Cléo é a minha segunda preferência. Ela é toda preta, de porte pequeno/médio também. Um pelo negro e lustroso. A língua é meio roxo/azul, como a dos Chow-chow. Tem um corpo esguio, um tipo elegante. Porque me lembrava aquelas esculturas egípcias com cabeça de cão, batizei-a Cléo (Cleópatra). E embora pareça contraditório com a figura egípcia, a cabeça dela leva uma semelhança sutil com a de um pitt-bull, mas não tem nada de feroz, pelo contrário, é uma lady. Quando a cachorrada enlouquece pela presença do Capeto ela é a única que está lá, tranqüila no canto dela parecendo não entender direito o porquê de tanto barulho. No início ela era muito tímida, demorou bastante pra se aproximar. Quando finalmente veio, peguei uma tesoura e cortei a coleira que ela tinha no pescoço e que fazia com que arrastasse uma corrente. A Cléo já parece ser a segunda na hierarquia da matilha. Exceto pelo Ruivão, ninguém rouba a comida dela.
- o Ruivão. É um cachorro já velho que o pessoal da volta chama de Aipim. Botei um nome mais elegante. Ele tem uns olhos sensacionais... grandes e meio ressabiados. O nariz é descolorido, bem de alemão mesmo. Aliás, um focinho que tá sempre escalavrado das brigas em que se mete. O Ruivão não arrega pra ninguém, mas com o Capeto nunca vi ele se meter. Late, chega junto, mas não passa disso. O corpo, apesar de velho, passa uma impressão de força. Tem rabo pitoco e pelo jeito já perdeu alguns dentes. Quando dou comida pros pulguentos, boto todos pra dentro do pátio e deixo o Ruivão na rua, do contrário ele não deixa os outros comer. Ainda não descobri, apesar de toda a riqueza de “personalidades” que percebo neles, um cachorro que não seja egoísta quanto à comida. Nessa hora a lei é: quem é forte come, quem é fraco passa fome. O Ruivão já teve pretensos rivais, mas botou todos pra correr. Volta e meia aparece algum cachorro novo e se integra ao bando. Teve um que chegou rosnando e nem era pra tanto, pois era do tipo pequeno/médio também. Passava pelo Ruivão e mostrava os dentes... o Ruivão na dele. Esse outro cachorro era hiperativo, não parava quieto um instante (aliás, já vi vários deste tipo desde que comecei a observar essas figuras). Parecia estar se impondo na maior. Um dia veio a hora da bóia. Esse cachorro foi pegar um pedaço de carne que joguei e nem viu o que o atropelou. Na real nem eu vi. O Ruivão se arremessou contra ele como um jogador de futebol americano. Não deu tempo nem de o bicho entender o que tava acontecendo. Foi uma sova. Pensei: mais um que terei de botar pra dentro do pátio na hora do rango... mas esse desapareceu da rua. Outra vez apareceu um cachorro grande, muito bonito, de pelagem branca e volumosa. Não tinha como não chamá-lo de Lobo. Ele e o Ruivão se pegaram algumas vezes. Ora um, ora outro levava a melhor. Nenhum desistia. Eu e meu pai separávamos as brigas com jatos de mangueira (tentamos antes bater neles com um pau, mas eu jamais bateria com força e então não adiantava nada). O Lobo, pelo jeito, era um cachorro recém abandonado, acostumado a viver num pátio. Ele entrava no nosso e não tinha jeito de tirá-lo pra rua. Queria ser aceito na marra, o coitado. Dava pena de ver a obstinação, quase que uma súplica nos olhos: deixe-me ficar aqui, por favor. Mas ele era um problema. Enquanto os outros se contentavam em ladrar para os estranhos, ele avançava mesmo e aconteceu de morder gente. Um dia desapareceu. Espero que esteja bem. Gostaria de vê-lo preso num pátio qualquer dia desses.
- o Mickey é um machinho pequeno. Não gosto dele. É o menor da turma e o último da hierarquia. Não tem muito o que fazer, o naniquinho. A criançada o adora e aquelas pessoas que gostam de cães pequenos também. Eu sei que ele é um covardezinho (é o que fica chorando quando o Capeto passa). Se aparecem cachorros estranhos, ele é o primeiro a latir e avançar, mas porque sabe que a turma dele vem atrás. Sozinho, ele corre se enfiar no primeiro buraco que vê. Também é um puxa-saco, fica tentando agradar os cachorros maiores. Quando pego a bicicleta e vou ao centro resolver qualquer coisa, três deles (o Benji, a Cléo e o Mickey) vêm atrás de mim. É um saco. E perigoso também. Fico com medo de que sejam atropelados. No meio do caminho passamos por vários outros cachorros. O Benji dá um jeito de contorná-los ou enfrenta. A Cléo também. O Mickey enfia o rabo entre as pernas e sai em desabalada de volta pra casa. Agora, sempre que saio, dou jeito de deixá-los trancados no pátio. Às vezes encontro bagunça quando volto, mas prefiro assim. Um dia, tendo deixado todos presos, encontrei o Mickey na rua. Até hoje fico imaginando como o pequeno pusilânime escapuliu. Outro dia aconteceu o mesmo com o Caramelo.
- o Caramelo é o mais novo da turma. Novo na idade (é pouco mais que um filhote) e novo na afiliação à matilha. Simpatissímo o camaradinha. Pelagem clara, meio amarelo (daí o nome Caramelo, que não fui eu quem deu, mas sim uns gurizinhos que moram na outra quadra e pra quem prometi fazer uns bodoques (funda, estilingue, atiradeira (vai saber que parte do Brasil tá lendo este texto))). O Caramelo tem orelhas compridas e caídas e patas fortes, o que sugere um cachorro grande quando adulto. Tá sempre brincando. Não tem muito o que falar dele, pouco tempo de observação. Sei que é um esfomeado... mas isso, quase todos são.

Então, assim... queria pedir umas coisas:
1 - não abandonem seus cachorros;
2 - esterilizem as fêmeas (uma injeção é baratinha);
3 - se você tem condições, adote um guaipeca... eles são bem legais.

5 comentários:

Helena Rodrigues disse...

Telmo, adorei todos eles!
E, principalmente, o vídeo. Depois de tanto tempo, agora pude te conhecer um pouquinho mais. =)

Beijão.

Telmo disse...

Pois é, Helena... este sou eu: o vira-latas pro lado de dentro da cerca... rs

Domenica disse...

Esterilizem as fêmeas???
A injeção dá câncer!
Mais fácil castrar os machos!

Telmo disse...

Ai... cheguei sentir uma dor com este teu comentário, Lu. Acho que ambas as coisas são cruéis, mas não concordo que a castração seja "mas fácil". Tudo bem, não sou phd em cachorros, mas sei que uma fêmea é inseminada por diversos cachorros, então me parece mais prático aplicar uma injeção na fêmea do que sair cortando o bilau (ou as bolinhas? - falei que não sou phd...) da cachorrada. E deve ser mais barato também. Mas enfim, que seja feita alguma coisa, qualquer coisa. Mais triste é ver os bichos abandonados.

Domenica disse...

Falando sério, MT, as injeções dão câncer.
A cirurgia do macho é muito mais facil de fazer, é externa. (Claro que não corta o pênis, né!) A da fêmea implica em abrir o abdomen do animal... A castração do macho faz com que ele fique mais caseiro tb. Claro que o grande mal são as pessoas...