Eu estava no supermercado tentando comprar o que as pessoas geralmente compram. Detesto esses lugares, estava tendo dificuldades. Andei de prateleira em prateleira pegando várias coisas apenas para largá-las um pouco mais adiante. Fiz uma boa bagunça misturando iogurtes com cadernos, caixas de leite com tapetes de banheiro. O problema é que os produtos no cestinho não me pareciam REALMENTE necessários. Apesar disso, quando cheguei ao caixa minha cesta estava pesada. Dentro dela duas latas de conserva, uma dúzia de ovos e dois fardos de cerveja. Havia fila em todos os caixas. Pensei "Deus, as pessoas devem adorar fazer isso". Me dirigi a um que só atendia clientes com no máximo 10 produtos. Estava louco pra sair daquele lugar horrível que repetia incessantemente uma musiquinha ridícula de Natal. Não sei como os funcionários conseguiam ouvir aquilo o dia inteiro e não enlouquecer. Na verdade sei... sei que as pessoas são estúpidas, suportam qualquer coisa e são até capazes de gostar. Minha teoria particular é a de que pessoas são como verduras ou legumes numa horta: elas existem pra suprir o mercado. Tem gente poderosa no mundo inteiro controlando a plantação de pessoas. Explosão demográfica? Que nada! Vamos inventar mercados e fazer essa gentarada trabalhar pra nós. Pessoas são melhores do que autômatos, pois aceitam uma programação e ainda consomem. Que grande negócio, hein? Eu sei... essa teoria não é original e não é só minha.
Na fila tinha uma morena, tinha uma morena na fila. Cabelos pretos e lisos, puxados para frente por sobre o ombro direito, um ideograma tatuado no pescoço e um tribal no cóccix. Vestia uma calça saint-tropez que deixava à mostra um quadril sensacional, a bunda era perfeita, as pernas eram grossas - mas sem exagero - e os seios, pequenos. Era o meu tipo de mulher. Sim, e da torcida do Flamengo também. O fato é que eu às vezes dou sorte com as preferidas da torcida do Flamengo. Tenho uma cara meio cansada, um jeito de quem já viu de tudo nesse mundo. As mulheres olham pra mim e pensam que eu poderia ser bonito, se quisesse, e isso já é o suficiente. O que elas não sabem é que essa cara é minha alma: ando realmente muito cansado e já vi coisas do arco da velha. Mas tive a sorte de conseguir manter o tédio afastado da testosterona. Portanto, ali estava eu novamente descobrindo o sentido da existência. O problema é que a fila andava rápido e a minha cabeça devagar. Não conseguia pensar em nada pra chamar a atenção. Foi quando olhei pra cestinha dela. Ela também levava dois fardinhos de cerveja além de umas poucas bobagens. Era um sinal, Deus, tinha que ser! Preparei a minha melhor cara de cara cansado e superior, mas nada da gostosa olhar pra trás. Na fila ao lado tinha uma outra gostosinha, loira, que de vez em quando me fitava com interesse. Não era de se jogar fora, mas eu agora só tinha olhos pra morena. Chegou a vez dela no caixa e o máximo que consegui foi uma lenta transição da minha melhor fisionomia fodona pra uma cara de bunda bem autêntica. Até a loirinha desistiu de mim. Então ouvi a voz da morena:
- Ai, não! Peguei o produto errado, este não é light, né? Dá pra trocar?
A menina do caixa disse que sim e um guri que parecia uma versão mais jovem do Woody Allen foi trocar o negócio.
- Desculpa, tá? - ela disse, finalmente olhando para mim. Fui pego de surpresa e não tive tempo de desfazer a cara de bunda. Só consegui dizer um "tudo bem" que, pra ajudar, saiu falseteado. Belo machão!
O Woody Allen júnior voltou, ela pagou suas compras, juntou suas sacolas e foi embora. Ver aqueles 98,
Dei mais uns dez passos e de repente ouvi um sonoro "PORRA" à minha esquerda. Era a morena. A razão de ter saído porra daquela boca linda é que uma das suas sacolas tinha arrebentado e parte de suas cervejas caído no chão.
- Quer uma ajuda? - perguntei.
- Ah, obrigado. Estas sacolas são umas merdas. Será que quebrou alguma?
- Acho que não. Tu teve sorte. Quer que eu te ajude a levar?
- Tu não te importa? Eu quero. Moro ali, ó... naquele edifício.
Ela morava praticamente na frente do supermercado. Não deu pra conversar muito, mas pelo menos ganhei um olhar esquadrinhador que prometia alguma simpatia e não falei mais
- Quer uma água?
- Pra falar a verdade tô louco por uma cerveja.
- Hum... eu tenho umas geladas. Senta aí.
Vocês ouviram? “Senta aí”. Alô torcida do Flamengo: aquele abraço.
- Pode ser Heinneken? Eu acho um pouco amarga, mas é só o que tem.
- Tá perfeito - respondi.
Tomamos uma Heinneken, duas Heinnekens, três Heinnekens e depois partimos pra cima dos seus fardos recém comprados.
- Ei, já estão gelados!!! - comentei.
- Meu freezer é poderoso! - ela disse rindo.
O nome dela era Renata. Fazia Biblioteconomia e vivia da grana que os pais mandavam do interior. Talvez fosse efeito da bebida, mas ela agora parecia ainda mais gostosa do que no supermercado. Sentada no sofá, seu quadril e suas coxas pareciam ter dobrado de tamanho. Eu estava naquele momento excitante que mistura ansiedade e tranquilidade, aquela hora em que tu já sente um climão se fechando à volta, quando tu tem a certeza de que vai comer aquela deusa e que, apesar de ela ficar falando e falando e falando, está pensando na mesma coisa que tu. Quando ela foi pegar mais uma long-neck, levantei e fingi que olhava os livros na estante. Quando ela voltou, sentei ao seu lado. Ela serviu meu copo sem me olhar nos olhos. Quando me passou a cerveja, eu disse:
- Quero te beijar.
- Tá.
O resto não precisa de descrição. Tem sido praticamente a mesma coisa há milhares de anos. A verdade é que uma transa nunca faz jus às expectativas. Quando a gente olha uma mulher, fica admirando mil coisas: a pele dos ombros, as pintinhas no colo dos seios, a curvatura do músculo da coxa, as veias delicadas no peito do pé, os nós dos dedos longos e finos, as supostas auréolas rosadas dos seios, o presumível desenho dos pêlos pubianos, etc, etc. É um arrolamento doce e prazeroso. Mas na primeira - ou nas primeiras - transa, tudo isso se perde num turbilhão de sons e cheiros e gestos. É uma espécie de alheamento, mas claro, é o melhor alheamento.
Depois ficamos deitados um tempo sem falar nada. Então ela se virou e de maneira brincalhona esfregou a bunda no meu pau. Abracei-a por trás e encaixei o bicho no meio das suas nádegas.
- Teu pau é bonito - ela disse.
- Tu achou?
- Sim. Ele é bem formado, tem uma cor bonita e é cheio de veias. É um pau de personalidade.
- Não são todos iguais?
- Claro que não. Tem uns paus horríveis. É que nem buceta. Vai dizer que todas as bucetas são bonitas?
- Não, é verdade. A tua é fantástica.
- Brigada...
- O que significa este desenho no teu pescoço?
- Tristeza.
- Tristeza? Interessante...
- Interessante nada. É horrível. Era pra ser "Felicidade", mas o puto do meu ex-namorado me sacaneou.
- Ah é?
- Ele é tatuador. Eu pedi um ideograma de "Felicidade" no pescoço, só que o merda descobriu que eu tinha dado pra um amigo dele e aprontou essa comigo.
- Hum...
- O nosso namoro já tava indo pro espaço. Aquele idiota vivia dando em cima das minhas amigas.
- Mas tristeza pode ser uma coisa legal. É bonita, poética...
- Que horror! Quem é que acha a tristeza bonita? Eu vou é tatuar outra coisa por cima quando sobrar uma grana
- Cuidado pra não exagerar. Mulher cheia de tatuagens não é legal. Vocês têm peles tão bonitas.
- Nem todas nós, gostoso. E esse pau duro aí embaixo? Já tá pronto pra outra?
- Hum... Só mais umas trinta... depois tenho que ir embora.
Este texto termina aqui por que o seu autor, que sempre foi nutrido a Dostoiévski, Borges, Cortázar, Calvino, Machadão, Philip Roth, Beckett, Shaw e outros vários fodões, não acredita neste tipo de sub-literatura (e nem consegue fazer coisa melhor).
2 comentários:
"É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas prá fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba não"
Então... alegre ou triste? Eu não quero fazer sambas, quero fazer rock and roll. Será que é preciso ser triste pra fazer rock and roll? O Kurt Cobain diria que sim, o David Grohl diria que não. Sou mais o Dave...
Abraços, Lu.
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