quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Asterios Polyp

Não lembro exatamente quando se deu meu primeiro contato com os desenhos de David Mazzucchelli, mas sei que foi com os gibis da Marvel. Não era dos meus artistas prediletos. Eu tinha um gosto pouco refinado e preferia John Byrne a Frank Miller, por exemplo. Era incapaz de perceber o valor de alguns caras para quem, hoje, eu lamberia o chão.
Sempre falo aqui do impacto que foi pra mim (e pra todo mundo) a publicação de “O Cavaleiro das Trevas”, do Frank Miller. Pois bem, acho que dá pra dizer que foi a partir daí que meus olhos se abriram. Quando comecei a leitura, achei estranhos e feios aqueles desenhos, mas ao final do primeiro dos quatro volumes já tinha colocado o Miller no assento mais nobre do meu panteão de quadrinistas. Quando terminei o quarto volume pensei: meu deus... agora o mundo acabou, nada pode ser tão bom quanto isso. Pois bem, eu estava enganado.
Na sequência de O Cavaleiro das Trevas (mais ou menos um ano depois) veio Batman Ano 1, com roteiro de Frank Miller e desenhos de David Mazzucchelli. Eu, que já estava curtindo a arte inovadora do Miller, não gostei muito da novidade. E era, de novo, uma sensação de estranheza com relação ao desenho. Eu já conhecia o traço do Mazzucchelli e não entendi por que então aqueles quadrinhos com a cara dos primórdios do Batman. À primeira vista, parecia uma arte simples. Só à primeira vista.  Na verdade, era outra vez um troço genial acontecendo diante dos olhos. Página após página, um deslumbramento. Não à toa, o Mazzucchelli foi aclamado e ganhou vários prêmios na época. A palavra pra definir a coisa é essa mesma, “genial”. História genial (as tramas de ação com pegada policial – muitíssimo bem elaboradas - do Frank Miller), desenhos geniais (a exploração de luz/sombra e o traço econômico usado com mestria pelo Mazzucchelli). Releio aquilo incansavelmente. Tenho sempre a impressão de estar vendo um filme. É uma obra-prima.
Pois bem, feito este intróito, quero comentar a minha única aquisição na Feira do Livro de Porto Alegre deste ano: Asterios Polyp (Quadrinhos na Cia. – tradução de Daniel Pellizzari), a graphic novel do Mazzucchelli que arrebatou três prêmios Eisner em 2010, além de outras distinções não tão famosas do mundo dos quadrinhos.
Coisa finíssima. Um livro massudo (não sei quantas páginas, pois elas não são numeradas) que explora ao máximo algumas das possibilidades narrativas da nona arte. É um trabalho completamente diferente daqueles do Mazzucchelli dos quadrinhos de heróis. O traço é mais “cartoon”, me lembrou os desenhos do Tim Tim e de alguns outros personagens menos conhecidos. Mas não se engane, é coisa de “gente grande”, uma novela cheia de sutilezas e sugestões, que procura explorar o psicológico e se vale de muita semiótica pra “ilustrar” os humores, a concepção de mundo, o tempo, o espaço e as circunstâncias dos personagens que transitam pela história. Uma história que pode ser resumida assim: professor universitário cinqüentão - em crise após uma separação - sofre uma tragédia e muda radicalmente de vida. A coisa se desenvolve sem pressa e sem grandes acontecimentos. A história vai e vem entre o passado e o presente e em “intervenções narrativas” que consistem em sonhos, recortes e comentários “extra-temporais” do irmão natimorto do personagem principal. Sim, um irmão natimorto. Asterios Polyp perdeu um irmão gêmeo na hora do nascimento. Esta imagem do duplo, nas suas muitas manifestações e nos seus mais diversos aspectos, tem uma função importante na evolução da história. Eu poderia escrever sobre esses desdobramentos, mas não é o que quero aqui. ESTE TEXTO (dê um clique), embora muitas vezes afirme exatamente o oposto do que penso, é ideal para quem quiser saber mais.
A minha conversa é outra.
O que eu quero dizer é: apesar de toda a originalidade do projeto, de toda a riqueza de referências, de toda profundidade que o autor buscou e de toda a “poesia gráfica” que ele conseguiu, não gostei.  Basicamente a queixa é esta: a história não empolga, não surpreende. Não se trata apenas da expectativa que eu poderia ter com um desenhista que me cativou pela “mão boa” pra ação. O resultado visual é bonito, mas a história em si é fraca. O texto do link acima não economiza elogios à obra (e talvez eu devesse tentar uma segunda leitura pra ver se a impressão muda), mas terminei o livro e ficou aquela sensação: tá... era isso?
Como experiência - ou experimentação - em quadrinhos, Asterios Polyp é bastante original. Provavelmente vai se tornar uma referência. O Mazzucchelli tentou caracterizar os principais personagens com um “traço”, uma cor, um balãozinho e uma tipologia diferentes. Usou de muita criatividade (e inteligência, e técnica) para definir o leque de elementos gráficos que compõe o universo de cada personagem. Essa, na minha opinião, é a principal riqueza do material: a diversidade de tipos criados e o máximo de “identidade gráfica” que o autor conseguiu imprimir (também literalmente, neste caso) a cada um. O estilo do desenho muda de um personagem pra outro, mas o Mazzucchelli conseguiu fazer isso sem perder a coerência, a unidade visual. Isto, mais do que a originalidade da ideia, talvez seja seu maior mérito. Porque a ideia é nova, mas não atesta uma maior competência do autor. É bem mais admirável o desenhista que cria – mantendo sempre o mesmo estilo - vários personagens diferentes e convincentes. O Mazzucchelli poderia fazer isso também, é claro. Mas trata-se de uma proposta diferente. E depois, no final de tudo, vai se tratar de uma afinidade artístico-espiritual entre o autor e seus potenciais admiradores. Existe um tipo de leitor que vai gostar dessa coisa que resolvi chamar “poesia gráfica”. O livro vai satisfazer a algumas sensibilidades mais do que a outras, mas não sei se dá pra dizer que é apenas uma questão de gosto. Na real, nunca é. Este trabalho tem ares de boa literatura, pode impressionar alguns incautos, mas não àqueles que estão acostumados com os escritores mais fodões. Porque em resumo é isso: se você tirar os adereços de Asterios Polyp, a história que fica não é lá essas coisas.
Essa graphic novel é como alguns filmes que se valem de uma bela fotografia, enquadramentos inusitados, planos diversos, metalinguagem, semiótica e mais uma dúzia de recursos visuais e narrativos pra contar uma história comum. Muitas vezes essas histórias acabam valendo a pena exatamente pela maneira como foram contadas. Não acho que isso seja um problema e também não tenho nada contra as histórias comuns, mas penso que em quadrinhos a coisa não funciona tão bem quanto no cinema.
Posso estar completamente equivocado (não sou o sujeito mais sensível nem o mais esperto do mundo), mas prefiro o Mazzucchelli desenhando as ideias de outros caras. De qualquer maneira, ainda é um dos meus quadrinistas prediletos.

2 comentários:

Sorriso disse...

cara, que coincidencia voce falar dessa obra. esses dias encontrei aletoriamente na internet uma materia em algum outro blog sobre o mesmo gibi quando googlei "mazzuccheli", depois de começar a procurar imagens pra escrever meu post sobre "o cavaleiro das trevas", obra esta que voce tambem cita agora no seu post!

Giorgio Cappelli disse...

Hmmm... concordo com você. A narrativa é mais uma experimentação visual do que uma vontade de contar uma história. E aquele fim? O que é aquilo?
Acho que o Mazzucchelli não sabia o que fazer e tocou o foda-se.