segunda-feira, 31 de março de 2008

Traiu ou não traiu?

Ilustração que fiz pra uma matéria sobre a atualidade e a beleza de Dom Casmurro. Talvez Machado de Assis devesse ter intitulado a obra de "Senhora Capitu", a exemplo do Madame Bovary, de Flaubert. O escritor curitibano Dalton Trevisan tem um livro chamado "Capitu sou eu", uma referência à clássica resposta de Flaubert quando perguntado sobre quem era Madame Bovary. "Madame Bovary ces't moi" teria dito o grande escritor. As personagens femininas sempre têm presença mais marcante, na minha humilde opinião. Lembro que quando li Macbeth, do Shakespeare, pensei comigo mesmo: putz... a peça deveria se chamar "Lady Macbeth", afinal a mulher é que desperta e estimula a ambição do marido, ela é o personagem mais forte.
Buenas, não importa o que eu penso. Tá aí mais um desenho feito com todo o amor e carinho para alegrar os corações empedernidos dos frios leitores acadêmicos que se perderam no pragmaticismo.
Uhuuuuu... hoje tô com a corda toda!

Sonho de uma noite de verão

Há muitos anos - lá por 94 ou 95 - fui passar as férias na Praia do Farol de Santa Marta pela primeira vez. Lugar tri bonito (e, na época, bem menos povado do que é hoje). Uma noite tive um sonho maluco que me impressionou bastante. Resolvi escrevê-lo com o intuito de fazer uma música um dia. Ainda não fiz, mas taí a letra... Ah, fiz esse desenho, se é que pode interessar.

Guerreiro dobrou a esquina
Logo atrás vinha um gaudério gordo e velho a cavalo
Guerreiro estava doido e achou melhor não levar fé no gauchão
Então virou-se, começou a andar de costas
E de vez em quando inclinava o corpo
E via o caminho de ponta cabeça
Mas o gaudério, ressabiado,
Já girava umas bolhadeiras
Com visível intenção de abater Guerreiro
Guerreiro disse: NÃO
E o cavaleiro passou
Mas apenas para bloquear o caminho
O cavalo então tentava acertar uns coices em Guerreiro
Segurando as patas do cavalo
Guerreiro ofendeu o qüera
E depois saiu correndo...
Com nítida desvantagem
Percebia que estava numa fria
Foi quando a voz do sábio Jéf se fez ouvir:
“Te mocozeia numa baia qualquer aí, loco”
E Guerreiro entrou numa e de uma passou pra outra
Pulando muros altos com arames farpados
Sempre esperando ouvir um latido feroz
Guerreiro tinha medo de cachorro
E por ironia acabou num pátio cheio deles
A polícia, se é que vinha, tinha perdido sua pista
Mas os cães se impacientaram e vieram pro seu lado
Guerreiro subiu numa casinha que de quase nada adiantava
Os cães ladravam raivosos e queriam morder seus pés
Guerreiro enrolou uma estopa e jogou longe
Como se algo importante fosse
Os cães, em sua maioria, desviaram a atenção
Foi o que bastou para Guerreiro pular da casa
E tentar um outro muro
Mas um dos cães lhe impedia a passagem
Situação extrema onde só podia lutar
Guerreiro fez o que devia ser feito
Deu um chute no cachorro
Deu um chute na parede do quartinho de posada lá na Praia do Farol
E viu a luz da lua
E viu que podia continuar fugindo e ver como tudo ia acabar
Caiu num outro pátio
Onde um cachorrinho amigo veio lhe fazer festa balançando o rabo
Mas já cansado da corrida, pulou algumas pedras
E transpôs uma pequena sanga
Saiu numa estrada de terra onde já não era noite
E o sol brilhava alto
Caminhou, caminhou sempre em frente e tranqüilo
Sem medo dos cães ou do gaudério ou da polícia
Pois sabia que esse sol estava brilhando
Lá na Praia do Farol.

Let it Be



Pena que este vídeo ficou escuro, não se pode ver como é lindo o Takamine que eu comprei (e que paguei duramente). Se algum Mecenas aí quiser me financiar agora um cubinho Peavey ou Marshall e também uma pedaleira acústica, eu aceito.
A letra, como se poderá perceber, é de Let it Be. Sempre canto Let it Be... pra tudo. É o meu "enrolation". Faço as adaptações mais insólitas. Minha preferida é cantar a letra de Let it Be na melodia de Yellow Submarine. Fica lindo, vocês têm que ver. Bom, a música aí é uma basezinha manjada com a qual todo o músico já fez alguma canção. A voz de falsete que dá uma desafinada lá no final é minha. Se um dia eu ficar famoso, isso poderá ser meu charme (JUUUUUUURRRRAAAAA!!!!!!).

"Como é bom poder tocar um instrumento"

segunda-feira, 24 de março de 2008

Pérola da música erudita



Esqueça "O Piano", "O Pianista", "Shyne Brilhante" e qualquer outro filme sobre músicos deste gênero. O que você vai ver neste vídeo é um marco, um documento histórico do audio-visual e da música brasileira, quiçá da música universal.
Rê, rê, rê... comprei um teclado, agora só falta aprender a tocar. Mas vou brincando. Gravei isto com a máquina fotográfica do meu irmão. Um dia vocês me verão executando alguma coisa realmente impressionante. Por enquanto fica esta música que o Wilson vai adorar.
Ah, este é meu primeiro (de muitos que virão) vídeo na internet. Agora fudeu... além de botar a minha "opiniãozinha" por escrito, vou botar minha caratonha a tapa. Eu não tenho vergonha mesmo.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Porto Alegre, minha cidade provinciana

Fotinho que fiz hoje, ao meio dia, da "não muito alegre" metrópole onde moro - fiquei embaixo das duas pistas do Viaduto da Conceição e cliquei o que aparecia no vão. Já gostei mais desta cidade, hoje ela me decepciona bastante. Talvez isso aconteça por que nunca saí daqui. Meu amigo Jeferson, que vive em Brasília, acha tudo lindo quando vem pra cá. Meu amigo Wilson, que vive em Londres, diz que tá com saudades da cidade. Alguém quer me pagar uma passagem pra Paris? Ãhn... Austrália? Canadá? Tá, pode ser também.

terça-feira, 18 de março de 2008

Sorria!

Você foi flagrado lendo este blog. Isso depõe (e muito) contra você. Lembra do macartismo? Nós lembramos... Huá, huá, huá, huá, huá!!! (risada pra lá de maligna).

sexta-feira, 14 de março de 2008

Laura e Milena (ou Meus contos inacabados)

Eu escrevo umas coisas, mas logo enjôo e largo de mão. Tenho dezenas de textos no computador. A maioria muito ruins mesmo. Todo mundo em Porto Alegre quer ser escritor, todos os meus amigos querem ser escritor. Bom, eu não quero desesperadamente ser escritor, mas admito que os considero uma raça superior (os bons escritores, claro). Então, de vez em quando, tento alguma coisa. Mas sei que sou medíocre. Este blog só existe como expiação, como atestado de mediocridade. É pra acabar com minha síndrome de Super-homem nietzschiano via exposição pública. Eu aceito o ridículo. Claro que tenho algumas características em comum com os escritores em geral: sou feio, sou frustrado e tenho grandes indagações. Mas é só. Escrever que é bom, nada. Bom tá aí mais um amontoado de caracteres surgidos certamente de alguma empolgação momentânea que senti com algum livro lido em algum momento desta minha pacata vidinha besta. O texto está inacabado. Sorry!

Laura e Milena

Laura e Milena moravam juntas e eram minhas vizinhas de corredor. Nossas áreas de serviço ficavam uma de frente pra outra. De vez em quando eu me pegava admirando suas calcinhas no varal ao lado e pensando: serão de Milena? Serão de Laura? Elas levavam uma vida discreta e jamais me passaria pela cabeça que fossem namoradas. Mas um dia fui arrastado por alguns amigos pra uma festa gay no Ocidente.
- Vamos lá, cara... rola mulher pra caramba nestas festinhas!
- Sim... lésbicas. Estão todas a fim de se curtir, não querem nada com homens.
- Às vezes querem. E de qualquer maneira, dá um puta tesão vê-las se beijando.
- Em mim não.
Mas fui. Naquela época eu acabava indo pra qualquer lugar que me fizesse pirar um pouco e esquecer que tava tudo uma merda. Lá a viadagem de sempre. Não estava muito cheio e nós pegamos uma mesa. Eu queria encher a cara e só. Meus amigos já estavam de olho numas gurias estilosas, torcendo pelo instante em que a agarração ia começar. Tava cedo ainda, mas não demorou muito. Tinha também uns caras olhando pra nós. Alguns com interesse, outros com indiferença - dava pra ver que não éramos da “comunidade”. Quando meus amigos, já bêbados, começaram a se tornar uns chatos com seus comentários idiotas, disse que ia ao banheiro e dei um jeito de ficar bebendo no balcão. O bar já estava totalmente cheio.
Ao meu lado duas gurias se beijavam como se o mundo fosse acabar no outro dia. Porra, odeio gente afetada, seja homem, seja mulher ou seja gay. Baixei a cabeça e fiquei olhando pras bolinhas da minha cerveja. Aquela merda daquele túnti-túnti que os gays adoram tava me deixando puto da cara. Pensei em sair dali e ir pra um bar onde rolasse um rock and roll. De repente levei uma cotovelada de uma das lesbian-chics. Porra, foi uma cotovelada forte. Ergui a cabeça já pronto pra mandar as duas pra puta que as pariu mas, surpresa! Não eram mais as mesmas gurias, eram outras duas, eram minhas vizinhas de corredor. Uma delas me reconheceu, e a surpresa dela não foi menor que a minha. A outra estava tão bêbada e/ou chapada que apenas ria e procurava os lábios da amiga.
- Pára, Lena. Olha quem ta aqui.
- Quem? Rá, rá, rá, rá... – era linda, mas parecia uma louca.
- O nosso vizinho lá do prédio. Não ta reconhecendo?
- Oi, vizinho. Rá, rá, rá, rá, rá... – Não, ela não estava reconhecendo. Dava pra ver que não reconheceria nem a própria mãe naquele momento. A outra, a Laura, pediu desculpas e depois ficou em silêncio, meio sem jeito. Resolvi fingir que aquilo era a coisa mais natural do mundo para mim.
- Então vocês são namoradas?
- É... sim. Somos.
- Legal. Jamais desconfiei. Pensava que vocês eram apenas amigas que moravam juntas.
- Bom... a idéia é essa. As pessoas não precisam pensar mais do que isso.
- É... acho que tu tem razão.
- Uhum...
- Pois é...
- E tu? Vem sempre aqui no Ocidente?
- Não. Muito raramente. Minha praia é outra.
- Sei. Então tu não é gay?
- O que tu acha? – perguntei achando que a resposta era óbvia. Mas resolvi não continuar o assunto – Desculpa, mas não sei o teu nome.
- Laura. Prazer. E esta mulher completamente chapada de ácido aqui é a Milena – Disse rindo e tacou-lhe um beijo na namorada. Putz! Naquele momento meus paradigmas mudaram. Eu não menti quando disse que mulheres se beijando não mexiam comigo. Bom, não mexiam até aquele instante. Quando vi estava de pau duro diante daquela cena. Caracas!!! Como eu pude ignorar uma coisa tão fantástica por tanto tempo?
- E tu, como é o teu nome?
- Ãhn? Ah... eu me chamo Telmo.
- Telmo?!! Era o nome do meu vô – disse Milena. Olhava pra mim, mas o foco parecia ser alguma coisa três metros atrás da minha nuca.
- É, eu sei. Telmo é nome de velho – eu disse.
Continuamos falando algumas bobagens. Então, de repente, começou uma música em nada diferente das outras, mas Laura saltou da cadeira dizendo “adooooooro esta música”, pegou a mim e Milena pelos braços e foi arrastando pro meio da pista. De nada adiantou eu berrar que não sabia dançar. Ela não ouviu, e se tivesse ouvido não teria feito a menor diferença. Sem outra alternativa, fiquei lá mexendo os braços pra um lado e pro outro perto delas. Milena continuava fora de si e não demorou muito para que elas começassem a se beijar de novo. Me senti sobrando, mas ao mesmo tempo tinha vergonha de voltar pro meu lugar. Aguentei até o fim daquela música e fui saindo de cabeça baixa. Foi quando senti meu braço sendo puxado.
- Vem cá – disse Laura sorrindo.
Me puxou pro meio delas e então as duas começaram a dançar com os corpos colados ao meu. Fiquei duro... acho que nem piscava, mas não demorou muito pra eu sacar que o lance era deixar rolar. E foi o que fiz. Antes que começasse outra música estávamos os três nos beijando. Aí o mundo exterior desapareceu. Fechei os olhos e descobri o que havia de tão bom naquele túnti-túnti interminável. Laura tinha uma boca quente e molhada, beijá-la era como já estar transando. O beijo de Milena era frio e, ainda que ela fosse simplesmente perfeita, pareceu uma mulher bem menos sexual que Laura...

O texto acaba aqui.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Não vai dar certo (minha primeira descrição)

Não sei dos outros, mas este blog é narcisista e egocêntrico. E pessimista. É claro que eu sou um cara com problemas, mas me mostra alguém bem resolvido. Ôpa... esqueci de dizer: tua opinião não vale. Não acredito mais na arte e nem na literatura. Esqueci meu Dostoiévski, esqueci meu Cortázar, esqueci meu Philip Roth... porra, esqueci o encantamento que eu tinha com estes caras todos. Ah, filosofia também bailou. Então pra quê esta droga de blog? Pra não enlouquecer. Se eu não fosse cagão, começava a usar drogas. Eu corro, eu nado, eu trabalho... milimetrando as pequenas doses de serotonina e outras "inas" que consigo por dia. Beber com amigos e tentar a sorte na noite ainda é uma possibilidade que não esgotei. Tenho uma filha, mas isto é outra história. Não gosto destes pais babacas que acham que os filhos são o centro da existência. Já passei por isso. Amor é outra coisa. Espiritualidade é outra coisa. Mas o que importa o que eu penso, não é mesmo? Tem um “xizinho” vermelho no canto superior direito desta tela. Você clica lá e deu, eu tô fora. Eu faria isso se fosse você.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Onírico Nítido

O pai me trancou neste quarto. Não sei há quanto tempo já estou preso. Perdi a contagem dos dias por que antes de ele permitir que eu abrisse a janela, era muito, muito escuro aqui dentro. Eu dormia quando tinha sono e sempre que acordava contava como se fosse mais um dia. Mas depois tudo se misturou: o escuro do quarto e o escuro dos meus olhos. Aconteceu também que comecei a dormir a intervalos curtos. Logo a coisa virou uma confusão muito grande na minha cabeça e contar os dias perdeu a importância. O pai me traz comida. No início, quando tudo era escuridão, não enxergava nada, apenas ouvia o barulho do prato roçando o chão de cimento. Aí saía tateando até encontrar. Achava que tinha perdido o senso de direção, pois a mim parecia que o prato estava sempre num lugar diferente. Quando pude abrir a janela, descobri que era isso mesmo: o prato aparece em todos os cantos. Como o pai faz isso? Não sei dizer. Ele agora me traz o prato quando estou dormindo, sempre quando estou dormindo. Eu acordo e como. A comida é ruim, mas isto já não me incomoda tanto quanto antes. Eu simplesmente como a comida. É uma coisa verde com um gosto que eu não conhecia. Não é bom, mas eu como. O pai me pergunta: tu quer ir ao banheiro? Eu digo: não. É verdade, eu nunca quero ir ao banheiro. Muitas vezes pensei em dizer sim, só pra poder sair do quarto, mas não consigo. Me dá um medo terrível só de pensar em mentir sobre isso. Tu quer ir ao banheiro? Não. A voz do pai é como o prato de comida: vem de todos os lados. Parece uma voz cansada. Mais do que isso, parece uma voz cansada de falar comigo. Às vezes tenho a impressão de que é a voz de um homem embaixo d'água, e ele fala o quanto pode até que tem de voltar à superfície pra buscar fôlego. Só que então já não desce mais. Ele fala comigo uma vez por dia, ou então passa um dia sem falar. Lembro uma vez em que a voz sumiu por dois dias. Foram também dois dias sem comer. Quando ela finalmente ressurgiu, estava mais cansada do que nunca. Tu quer ir ao banheiro? Não. O pai nunca esquece de perguntar isso. Acho que é uma das coisas que ele está estudando. Já faz tanto tempo desde que me prendeu aqui. Um dia, ainda quando tudo era escuro, o pai disse: Hoje é uma data importante, vou abrir tua janela. É noite agora. Olha bastante pro briho da lua, pra ir acostumando teus olhos à luz. Aí então ouvi um barulho às minhas costas e surgiu um quadrado luminoso no chão do quarto. Logo depois eu vi a lua. Consegui ver também algumas poucas estrelas. Naquela noite eu chorei, mas se me perguntassem por que chorei, não saberia dizer. Talvez fossem só os meus olhos desacostumados à luz. O pai havia colocado junto à janela uma coisa que parecia um funil. Eu não podia enxergar nada pra baixo, pra frente ou pros lados, mas erguendo a cabeça eu tinha agora um retângulo de céu. Para mim era luz que não acabava mais. Me senti feliz.

Família

Meu pai caminha pela casa arrastando umas alpargatas de couro que ele chama "minhas chinelas". O calcanhar grosso amassando a parte de trás do calçado. Difícil saber qual dos dois, se o pé ou a alpargata, tem mais rachaduras. O pai também chama o calcanhar de "garrão". Eu não dava importância pra estas coisas até ler uns livros onde as pessoas também falam assim. Fico prestando atenção quando o pai chama meus tios de "chê" ou tchê. É diferente. Fica parecendo que eles não são irmãos, mas ao mesmo tempo o som desta palavra, e a entonação, carregam uma camaradagem que vai além dos laços familiares. Pergunto a mim mesmo se chamarei meus irmãos e amigos de tchê quando for adulto. Eu penso muito em quando serei adulto, o que não é a mesma coisa que pensar em mim adulto. Por mais que eu tente, nunca consigo imaginar-me como alguém diferente do que sou. É difícil ver uma outra realidade que não esta. Penso sempre que um eu adulto será um outro eu e parece inevitável que este eu que sou agora tenha que morrer. Tenho isso muito claro comigo, mas ao mesmo tempo a idéia de ser outra pessoa me parece impossível.
- Sempre serei este que sou agora - digo pra mim mesmo.
Meu pai e eu vivemos sozinhos nesta casa há oito anos, desde o dia em que minha mãe morreu de um câncer no útero. Agora está acontecendo uma coisa triste: a imagem que tenho da minha mãe vem se apagando. Eu vejo suas fotos no álbum - meu pai tirou todos os quadros das paredes - mas isso não ajuda muito. Aquelas mulheres não são a mãe que eu tenho na cabeça. Uma vez roubei um lenço de cabelo da minha prima. Vivia cheirando aquilo, eu era apaixonado por ela. Só que o lenço foi perdendo o cheiro e gesto perdeu o encanto. As fotos da minha mãe também foram "perdendo o cheiro". Não consigo mais achar nestes pedaços de papel qualquer coisa que me convença da essência da mãe que eu tinha. Essas fotos, porque não condizem com a imagem que preservo dela, me fazem pensar no quão sem sentido são as lembranças. Para que servem as lembranças? Para que servem as fotos? Os lenços? Só o que importa é ter a pessoa de verdade. Parece que ter alguém tem que ser o tempo todo, senão não vale, senão é como se nunca tivéssemos possuído. Li num romance - destes que minha tia compra em bancas de revistas - uma frase na qual venho pensando: "o amor vive e se perde nestes pequenos pânicos, nestes esboços de morte que se insinuam durante a ausência do ser amado, uma falta que pode ser passageira, mas que é sempre ausência e que faz tremer ao simples vislumbre do que seria o resto da vida sem essa pessoa". O professor de Literatura fala mal desses romances - que ele chama romances cor-de-rosa - mas acho que este cara acertou em cheio com esta frase.

terça-feira, 4 de março de 2008

Emanuelle

Há um gesto teu nos meus dias. É uma coisa que vem e vem e vem, sem nunca chegar. É um prenúncio que desfoca o mundo. Antes de ti, há essa promessa de ti, e não de hoje, sei que ela é maior. Sou um Santo Anselmo moderno com uma ontologia ao avesso, por que assim é o que traz de lá tua essência e tem de cá minha ânsia. Mas... será que me explico bem falando de ânsia? Quero dizer fruto de intrincadas angústias, quero dizer veneno de todas as polpas. Sede insaciada. Quase morte de inanição, quase morte... Cadê a literatura que vai explicar este gesto teu? Este, agora perdido na infindável possibilidade de gestos do mundo, mas sempre único nas tardes que venho vencendo tão duramente. Ou que venho perdendo tão duramente - como me situar em relação a isso? Sob qual ângulo devo sofrer? Tenho estabelecido tréguas, capitulado, repensado estratégias e me atirado às cegas contra essas tardes. Mas são tardes grandes demais.