quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um ano de (poucas) leituras

Em setembro do ano passado fiz aquela lista dos livros que havia lido até então. Um pouco suspeito aquilo. Seria de se supor que a leitura de tantas obras teria me tornado uma pessoa melhor, imune a impulsos da vaidade, inclusive a de leitor. Buenas, a verdade é que tornou mesmo, juro! Esse negócio de ficar fazendo listas se deve, isso sim, a um transtorno obsessivo-compulsivo. Pelo menos é o que eu diagnostico. TOC. Já fiz listas mais longas e mais condenáveis do que aquela (de uma especialmente, com mais de 1.500 “itens”, tenho vontade imensa de falar, mas ainda não estou pronto).
Não sei se sou um caso exacerbado, mas patológico com certeza. O que me tranquiliza um pouco é a consciência de que todo mundo é meio maluco. Daria um dedo pra ver algumas pessoas “abrindo o coração” como faço neste meu blog “no notion”.
Aqui um aparte: há quem veja nessas “confissões” algo de afetação, de presunção. Acham que o sujeito que faz isso se dá uma importância exagerada. Pois eu penso que é exatamente o contrário. Quando alguém faz este tipo de devassa na própria vida, está se “desimportantizando”. No dia em que não existirem mais coisas veladas, o mundo será bem melhor. Sim, também acho que este dia nunca vai chegar.
Outra razão pra recorrer a esses registros é porque venho, cada vez mais, esquecendo das coisas. Claro, no final das contas não é nada grave esquecer que li este ou aquele livro - a função daquela leitura na minha vida terá se cumprido e lembrar dela, na maioria das vezes, é secundário (aliás, esquecer faz parte. Né, Borges? Né, Ivan Izquierdo?) -, mas se dá pra organizar, porque não fazê-lo?
Então, dito isto, segue uma pequena lista dos livros que li desde aquele longínquo setembro. Pequena mesmo... tenho lido cada vez menos. Só que desta vez vai junto uma mínima resenha para cada obra. Alguns desses títulos são muito bons e tenho a pretensão de despertar o interesse das gentes por um que outro.

Mais Estranho que a Ficção – Chuck Palahniuk
Esse livro merece um texto exclusivo, mas acabei de vendê-lo na Estante Virtual, então tenho de ser rápido e conciso. Como o próprio nome sugere, não é ficção. São crônicas do cara que escreveu “O Clube da Luta”. O Palahniuk é um sujeito muito foda. Tem um recorte de mundo, um interesse literário, que faz dele um caso único entre os escritores (os que eu conheço, pelo menos). Basta ver os temas sobre os quais se debruça neste livro divido em três partes.
A primeira e maior delas são os relatos “Pessoas Juntas”, onde o autor apresenta o panorama de um “American way life” lado B, digamos. Abre com uma história sobre um festival de putaria em Montana, segue com um campeonato amador de luta livre e vai, ao longo de nove relatos, contando coisas sobre: convenções onde escritores novatos tentam publicar seus livros, motoristas malucos que jogam seus carros uns contra os outros em batalhas suicidas, experiências sociológicas com fantasias de animais, proprietários de castelos que ergueram sozinhos - tijolo por tijolo - o seu palácio, experiências com anabolizantes perigosos, a vida de marinheiros confinados por três meses num submarino e casas mal-assombradas e experiências mediúnicas.
A segunda parte se chama “Retratos”, são textos sobre pessoas específicas. Começa com a atriz Juliette Lewis e vai até o escritor Ira Levin passando, ao longo de sete histórias, por Marilyn Manson e outros personagens curiosos.
A terceira parte também tem sete relatos e se intitula “Pessoal”. Embora sejam abordados em alguns dos outros textos, neste bloco o escritor se detém em temas como família (a relação com o pai, principalmente) e a escrita e repercussão estrondosa do seu livro “Clube da Luta”.
Isso é um resumo e portanto diz muito pouco sobre o livro. Cada texto é um mergulho num mundo estranho e fascinante.
Eu diria: não deixe de ler por nada.

Matéria de Memória – Carlos Heitor Cony
O Cony é um grande escritor, todo mundo sabe. Este é apenas o segundo livro dele que leio, mas sei que o cara é foda. Já vi muitas resenhas elogiando suas obras. Este Matéria de Memória (não confundir com Quase Memória, outro livro dele) é, até onde pude ver, um dos menos festejados e, no entanto, trata-se de um ótimo livro. História de desencontros amorosos e afetivos, é construído em cima dos relatos de três personagens principais e um pequeno universo de secundários.
Pungente. Vale a pena ler

Esperando Godot – Samuel Beckett
Achei (e todo mundo acha) bastante parecido com “Fim de Partida”, único livro do Beckett que consegui, antes deste, levar até o fim. No “Godot” a história se baseia numa espera, no “Fim de Partida”, numa ameaça de ir embora, mas de resto são dois livros “irmãos”. É o universo beckettiano aquele. O livro é um clássico da dramaturgia e não carece de resenha. A sensação de angústia, de desconforto, é – pra quem gosta destas experiências (na verdade não se trata de gostar) – garantida. Leia o livro e renove as tintas da sua crise existencial.

Harmada – João Gilberto Noll
Eu nunca tinha lido nada do Noll. Sabia que o cara era conceituado em alguns círculos, já tinha visto/ouvido uma conversa com ele na Feira do Livro de Canoas, mas nunca fui atrás dos seus livros. Recentemente li uma crítica negativa, dizendo que o autor estaria se tornando vulgar, obsceno, gratuito. Buenas, talvez seja. Como só li esse Harmada, não posso opinar. Mas gostei do livro, daquela atmosfera nublada, aquosa, onírica que o autor mantém do início ao fim. E ambígua também. A história quase sempre parece por um fio pra cair num relato homo ou bissexual, mas a sugestão segue até um limite, tensiona a imaginação pra então se render a um desfecho menos transgressor, digamos. Não sei qual é a praia do Sr. Noll, qual rumo seguiu sua escrita depois disso, mas estou curioso pra ler outro livro dele.

Subúrbio – Fernando Bonassi
O Bonassi é foda. Acho estranho que este cara não seja mais comentado. Novamente na Feira do Livro de Canoas, uma vez participei de um bate-papo com ele. Se não me engano, fui eu – então trabalhando na Secretaria de Cultura da Cidade – quem sugeriu o nome do cara para o evento. Ele veio, falou e deixou todo mundo impressionado. Além de muito bom escritor, é roteirista de cinema (Cazuza, Carandiru, Os Matadores) e televisão (Força-Tarefa). Como se pode ver, tem uma afinidade com os temas da violência, da urbanidade e marginais de toda estirpe. E posições muito firmes em relação a todas essas coisas. Um mestre dos micro-contos, escreveu, entre outros, Passaporte, um livro com relatos diversos, muitos contando das suas experiências durante uma bolsa que o levou pra Alemanha.
Mas este livro, Subúrbio. Praticamente dá pra dividir em duas partes: a relação viciada e apática de um casal de velhos num lugar cinzento do ABC paulista e a relação terna e vívida do velho deste casal com uma menininha da vizinhança. É um livro triste, o final é devastador, mas é um retrato possível entre tantos outros terríveis retratos possíveis. É bem escrito e não é gratuito.
Leia e fique abalado por uns tempos.

Putas Assassinas – Roberto Bolaño
Putz... esse não lembro de quase nada. Sei que gostei. Nada muito eufórico, mas gostei. O Bolaño, desde que li 2666, me passa a imagem de um cara meio cioso da sua condição de escritor, poeta. Porque boa parte dos contos – presume-se – são autobiográficos (o nome de um personagem recorrente é “B”) e neles a relação com a literatura é uma constante.  Ele deixa transparecer uma certa afetação e essa transparência sempre confere um “quê” de amador ao escritor (minha opinião). Mas é um cosmopolita e pinta convincentemente – atraentemente até -  seus mundos, ora no México, ora na América do Sul, ora na Europa. Também tem uma mão boa pra relatos mais truculentos.
Talvez seja muito mais do que isso e eu esteja sendo injusto.

Música Anterior – Michel Laub
Diário da Queda – Michel Laub
O Michel Laub é muito bom escritor. Como pessoa (novamente na Feira do Livro de Canoas) me pareceu um antipático, mas isso não significa muita coisa. Ou significa, mas eu é que não vou discorrer por aí. O fato é que isso não impediu que eu lesse quatro dos seus cinco livros publicados, todos muito bons. O problema é que é difícil escrever sobre esses livros. O primeiro é o relato de um juiz sobre a sua relação com o irmão, a doença e a morte do pai, a incapacidade de gerar um filho e a condenação de um estuprador infantil. O que o Laub tira daí encheu um livro de 108 páginas. Poucas, mas denso. Primeiro romance do cara.
Diário da Queda é o mais recente dos livros dele. Conta a história de um cara, de família judaica, vivendo sob o peso da personalidade e da história do pai e do avô e os próprios dilemas em relação a uma história ocorrida na infância, envolvendo um colega de colégio. A narrativa entrelaça a vida de cada um: o avô, sobrevivente do holocausto, transtornado e que acaba se suicidando, o pai zeloso, mantenedor das tradições religiosas e morrendo de Alzheimer e o filho, vivendo com a cobrança de uma reverência ao drama dos antepassados perseguidos e a necessidade de se desvincular deste drama que acaba por afetar a sua vida.
O Michel Laub, cara inteligente (leiam algum dos seus textos no blog da Cia. das Letras), talvez gostasse de me dar umas tapas por essa síntese grotesca que fiz dos seus livros. Ainda bem que nunca vai ler isso.

Um Escritor no Fim do Mundo – Juremir Machado da Silva
Já escrevi sobre este livro num outro texto. Tá em algum lugar deste blog. Mas vai um rápido relato. O estranho Juremir Machado da Silva acompanha o ainda mais estranho Michel Houellebecq a Patagônia. O Juremir não tem medo de soar meio ingênuo – ou clichê – às vezes, e isso me parece uma coisa legal. Fiquei com essa impressão talvez porque muitos trechos do livro são diálogos e acho que foram transcritos tal qual gravados durante as conversas. Bem coloquial. Se você gosta dos livros do Houllebecq, como eu, pode ser legal conhecer um pouco mais do cara.

Trilogia Suja de Havana – Pedro Juan Gutiérrez
Também já falei deste. No mesmo texto do anterior. O que vale ser repetido é: primeiro livro do escritor cubano já há algum tempo famoso no mundo inteiro. O melhor deles, na minha opiniãozinha.
Vale a pena.

Brasil: Terra à Vista! – Eduardo Bueno
Eu tinha um certo preconceito com esses livros do “Peninha”, mas peguei um pra ler para a minha sobrinha e acabei gostando. Bem interessantes mesmo, até para um sujeito como eu, que nunca fui muito ligado em História. É lendária a declaração do autor de que pesquisou em mais de dois mil livros para escrever a série “Terra Brasilis”. E valeu a pena, o cara vendeu muito. Valeu também pela infinidade de informações não propriamente históricas, como por exemplo, a evolução das embarcações e instrumentos de navegação. Pena que não existiam livros assim nos meus tempos da quinta série.
Leitura leve, divertida.

Medo e Delírio em Las Vegas – Hunter Thompson
Outro já comentado. Divertidíssimo pra quem lê, mas provavelmente um tanto assustador pra quem viveu: Mr. Thompson e seu adovogado maluco, dois junkies que se drogavam até a medula. Era pra ser a cobertura de uma corrida de motocicletas, mas os dois se chaparam tanto (o café da manhã era tequila) que o que saiu foi outra coisa, um negócio que seria chamado de jornalismo gonzo. Dizem que este livro é o melhor exemplo disso.
Deleite garantido.

O Mundo Fora dos Eixos – Bernardo Carvalho
Nove Noites – Bernardo Carvalho
O Mundo... já comentei no supracitado texto. É um livro de crônicas, resenhas e ficções. Tem lá cultura e erudição pra deixar a maioria dos reles mortais se sentindo uns toscos (que somos realmente). Gosto principalmente da opinião sobre o que é arte que o Bernardo Carvalho externa em vários destes textos. Monstrão, monstrão.
O Nove Noites é um romance premiado que conta a história de um antropólogo norteamericano que veio ao Brasil estudar os índios que viviam onde hoje é o Tocantins e acabou cometendo suicídio, em 1939. Dividido entre o relato de um escritor que decide escrever sobre o antropólogo e confissões de um personagem desconhecido, amigo do norteamericano quando da sua morte, o livro vai se aprofundando e elucidando o drama do suicida. Livrinho bem difícil de definir, na verdade. Tarefa exaustiva deve ter sido a do Carvalho buscando documentos e depoimentos pra escrever uma ficção sobre esse que é um acontecimento verídico e que se deu há mais de meio século. Não diria que é uma leitura das mais prazerosas, mas é interessante.

Contos Brasileiros – Sérgio Faraco
Também já falei deste. O que não falei é que considero o Sérgio Faraco um baita escritor (neste ele só fez a organização). Um dos melhores aqui da terrinha.

O Zen nas Artes Marciais – Joe Hyams
Outro que já foi falado. Se você se interessa por artes marciais, por filosofias orientais e/ou, na pior das hipóteses, é daqueles que faz uso disso em coisas como administração de empresas, certamente vai gostar deste livro.

Deixando o Pago – João da Cunha Vargas
O último, mas não menos importante. Foi uma grata surpresa quando encontrei este livrinho perdido em meio a uma pilha de porcarias num brique - daqueles que vende de tudo - lá embaixo do Viaduto da Conceição. O livro é raro e consequentemente tem um valor de venda alto (monstro capitalista, eu), mas também foi legal porque nunca antes eu havia “cantarolado” um livro em vez de lê-lo. Pois é, estão ali várias canções dos discos Ramilonga, Longes e Délibáb, do Vitor Ramil. Impossível ler “em linha reta” os belos poemas do “seu” Cunha Vargas uma vez que o Vitor inventou melodias igualmente belas para cada um deles.
Leitura mais que agradável para fãs – ou não - do músico pelotense.

Li mais algumas coisas, quadrinhos principalmente, mas não vou citá-los. Aqui acaba esta lista caudalosa. Doze mil caracteres!!! Vou procurar um médico pra me curar deste TOC.


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